Dia 1 29/06/09

Partida 9h38
Inicio com 14747km
Atraso-me um bocado na hora da partida, com as despedidas. E porque o peso das bagagens era demasiado para mota, de 3 malas abarrotar passo para 2 quase vazias. Mesmo assim faz balançar a mota que nem uma bailarina.
Ao colocar a tralha na mota nem reparo nos meus dois cães e na minha gata ao meu lado a olharem para mim, pelo olhar da minha gata, já sabe que vou uns dias para fora, e eu sei que ela vai ficar a miar e sem comer nada até eu voltar…
Para me dar sorte começa a chover mesmo na hora da partida, com a bagagem a mota ganhou 40cm para a frente e outros para trás, fazendo com que seja mais difícil de conduzir.
Esqueci-me de dizer que o meu sobrinho veio dizer adeus, e que nem o conseguiu fazer ao olhar para o aparato que ia na mota, aquele momento ficou-lhe gravado para sempre na memória, um dia ainda vai seguir as pisadas do tio.
No caminho até S. Jacinto, junto a ria, lembro-me das dezenas de vezes que já passei por aqui de mota nos fins-de-semana em que vou até a torreira… a sensação de ultrapassar os carros na fila, os picnics, ou simplesmente dar uso a mota, mas desta vez é diferente, vou mais longe…
Dou o meu 1º gole de água já dentro do barco, que ainda sinto o sabor a pasta de dentes. Nem acredito, cheguei mesmo a tempo quando já estavam a levantar ancora onde vinha agarrado moliço e bocados de lodo, para partir para a Barra. No barco vai um Holandês ainda mais maluco que eu, também anda a viajar sozinho, com uma mochila enorme que leva as costas com capacidade de 110L e de bike, uma daquelas baratas do continente e a frente leva outra mochila cheiíssima que mais se parece com uma bola, diz-me que vai até a Figueira, mas pelo tamanho da mochila duvido mesmo que chegue lá.
Praia da Barra, a 1ª vez que acampei longe de casa, sim com apenas 15 anos o outro lado da ria já era muito longe, onde apanhei uma bebedeira que até fui surfar a noite todo nu, velhos tempos em que ainda não tinha responsabilidades. Passo pela costa nova que me faz lembrar os tempos dos campeonatos de skate que levava os meus patrocinados da breakbone a competir, e onde vinham prós de todos os lados.
Ao chegar a praia de Mira onde tinha projectado almoçar, pergunto a um Sr. que estava num tractor a limpar o mato na berma da estrada, pelo caminho até a Figueira mais perto do mar, ele diz que é pela Mata Nacional mas são 40km sempre pelo meio do mato e é só curvas, leve gasolina diz-me ele, não tem bombas de gasolina até lá, e ainda me disse que eu era tolo. Fico a pensar e abro o depósito que está a meio e ainda não dei uso ao cherrican de gasolina, a minha única opção é ir pela Nacional 109. Até a Nacional ainda são uns 7 km por onde passo por duas aldeias com máximo de 20 casas cada, e o mais engraçado é que cada uma delas tem um produto específico a venda nas entradas de suas casas, uma com caixas de morangos e na segunda sacos de batatas, são aldeias muito lindas mas parecem mais do “século passado”.
Ao avistar uma estrada que tem uma seta direcção Figueira da Foz, entro nela julgando ser a 109, mas deparo-me com uma estrada cheia de retalhos rectangulares do tamanho de uma camioneta de varias cores, branco, cinzento e preto, começo-me a rir, isto é que é a Nacional 109, paro de o fazer quando dos rectângulos grandes passa para círculos dos tamanhos dos buracos, com as mesmas cores e cheia de rachas, que me fazem ir aos pulinhos e ficar com dores de costas. Só me apercebo que estou mesmo na 109 quando me farto de ver semáforos de velocidade controlada que não ficam vermelho para mim pois nem aos 50km consigo chegar, e ao entrar na recta da Tocha onde os restaurantes estão com os parques vazios de camiões mesmo sendo na hora de almoço devido a famosa crise. Já Decidi! Já que cheguei tão longe numa manhã e não vou dormir á Figueira pelo menos vou almoçar.

Praia de Quiaios
Km 14841 5L 4.37€
Farto da 109 vejo no mapa, que vai sempre colado ao guiador e que de vez em quando dou uma olhadela mesmo sem precisar por o pé no chão, que em Quiaios tem uma estrada até a Figueira mesmo juntinho ao mar, atesto o depósito e pergunto a funcionária Dona Teresa, casa dos 50, que tem colado num crachá no seu casaco de malha o seu nome, por essa estrada, ao que ela me diz com uma cara séria para não ir que é um caminho de cabras com 3km onde passa só um jipe, cheio de precipícios que só o nome já mete medo, “enforca cães”, outros 2 homens metem-se na conversa, um deles com uma Sachs diz que de mota se faz bem, ao que o outro me diz que de vespa é mais difícil de controlar para eu não arriscar, ficámos ali a discutir até que eu digo, vou ver a praia e o caminho e logo decido se vou ou não. Depois de um ano, que na minha cabeça tinha uma doença terminal e vastou o psicólogo dizer que isso era imaginaçao da minha cabeça para passar e dizer que estava com uma depressao, e a minha namorada deixar-me. Tb tive vontade de deixar-me cair, mas como nesta frase digo quero ver o que a vida me reserva.
Quando a vida esta a beira de um abismo, ou simplesmente deixamo-nos cair, ou seguimos o resto da viagem, decidi continuar o resto da viagem e descobrir o que a vida ainda me reserva.
Ao chegar a praia recordo que já cá estive uma vez. É uma praia junto a um monte onde fazem saltos de parapente dos penhascos e aterram na areia. Decidido ver o tal caminho “enforca cães”, mas até lá, é em ruas com casarões com vistas para o mar onde em algumas tenho de levar a mota a pé e sempre em 1ª que até deixo cair algumas tralhas com a inclinação que faz, antes mesmo de chegar ao tal caminho aparece um guarda-florestal de jipe e diz que esta estrada não tem saída até a Figueira para voltar para trás, parece que adivinhou a minha intenção. Mesmo assim depois de o jipe ter ido embora vou mais um pouco, quando dou por mim estou num caminho de brita cheio de rasgos pela chuva onde a largura mal cabe a mota e vejo as ondas a bater nas rocha mesmo debaixo de mim, sempre a subir, a mota perde a força e só tenho uma opção. Ao virar a roda entra num dos rasgos e sem conseguir segura-la vejo me quase a dar cambalhotas com a mota ou pior, não conseguir sair do rasgo e ir até fora da estrada e cair no mar a uns 200 metros nas rochas que estão inclinadas para mim como se estivessem a minha espera. Esquece já tive aventuras por hoje, penso para mim, vou voltar pelo mesmo caminho até a 109, desfaço-me do susto ao ver a maior concentração de vespas numa só vila, nos campos, a passear, ou paradas a frente das casas dos seus donos, até a minha bichinha fica com um tilintar diferente no motor parece que esta a cantar para as suas parceiras. Hoje compreendi que não podemos ir sempre pelo caminho que queremos, se não for sempre a beira-mar vou pela 109, ainda existem caminhos piores que ela.
No café que almocei na Figueira da Foz o dono deu-me uma boa notícia depois de passar a ponte a estrada é sempre junto ao mar até á Nazaré, e boas estradas. Ele só não me disse que até chegar a praia da Vieira, tinha que percorrer cerca 15km na 109 a chover com piso escorregadio, no meio de camiões, estar a espera de ver quando ia ficar entalado, a passarem por mim com uma bolina que mal aguentava o guiador. Acontecer um acidente a minha frente onde um camião se despista e corta as duas faixas e tenho de ficar 5 minutos debaixo de chuva e 45 minutos numa lavagem automática até acalmar a chuva. Sentir a roupa molhar e a secar por 2 vezes numa IC sem casas ou arvores para me abrigar e com os ventos a fustigar.
Mas ainda bem que ele falou dessa estrada, deve ser das mais belas de Portugal com cerca de 30km com ciclo via no meio da natureza com vista para o mar, e a sentir na narinas um suave aroma a camarinhas, pelo meio encontro das mais bonitas e desconhecidas praias por serem escondidas por arribas, onde daqui a uns anos deve ser o novo Alentejo ou ate mesmo o novo Algarve. Até aqui a sensação da chuva é diferente, sentir as gotículas a passearem pela face até chegarem aos lábios e sentir o seu sabor doce.
Na Nazaré vou primeiro ao Sitio onde se tira boas fotos panorâmicas á praia lá em baixo, mas decido não acampar aqui faz lembrar outros tempos, por isso faço mais 10 km e acampo em S. Pedro de Moel mas para descobrir o caminho que estava meio escondido pela vegetação, ou por já estar meio cansado perco-me 2 vezes e a sentir a ficar escuro devido as sombras das arvores.
No camping de S. Martinho o guarda ao ver-me viajar sozinho propõe-me colocar num sítio junto a uma das tendas só com raparigas, disse-lhe logo, isso é que era. Mas ao chegar ao espaço que me era destinado percebi logo que deviam ser escuteiras pelas idades, lobitas. Elas estavam em algazarra porque o banho de água quente terminava as 19h30, vou á mochila sacar do telemóvel e vejo que ainda falta 15 minutos mas nem dei importância. Montei a tenda e percebi logo a razão de ela ter sido tão barata 9.90€ no pingo-doce escolhi uma vermelha ou melhor vermelha transparente para ser mais exacto. Fui passar o corpo por água e ao entrar no balneário vem logo uma senhora dizer:

Sra. Agora só há agua fria, já passou a hora são 19h34
H. É que cheguei mesmo agora ao parque!
Sra. Tens senha?
H. Não, também não sabia que era preciso
Sra. Vai aquele chuveiro ali ao fundo e toma banho rápido
Pensei para mim que Sra. amável, ligo a água e estava mesmo quente. Ponho champô e duche (2 em 1) vou para debaixo do chuveiro e mando logo um salto ao sentir a água, que escorria pelos buracos do chuveiro, gelada, FOGO! A Sra. enganou-me! Tinha de tirar a espuma passei-me por água mesmo ela sendo gelada que até doía os ossos. Ao acabar de me vestir ouço a Sra. Lá fora aos gritos.
Sra. Já acabaste?
H. Já obrigado pelo banho frio, pensei eu, mas apenas disse obrigado.
Ainda ouvi ao longe a Sra. a dizer de nada!
Não dá para estar na tenda com o calor que se faz sentir, e mesmo estando montada apenas à 20 minutos. Não existem sombras neste parque, o que faz com que até escurecer tenha de ficar cá fora, sento-me no pisa-pés da mota e começo a cozinhar hoje vai ser massa e batatas com frango e courgettes e uma sopa de alho francês (instantânea claro). Só agora percebi que não são escuteiras, é uma turma da escola e a Professora nem é nada má, é alta, loirinha e pelo ar é mais nova do que eu, só que esta toda atrapalhada a manter a canalha sossegada que ainda nem olhou para mim, uma única vez.
Á minha frente esta uma rapariga sempre a olhar para mim também não é má, está num bungalow em madeira que deve ser da família á vários anos, todo bem cuidado, até um jardinzinho têm rodeado por sebes, está com o marido e um filho com cerca de dois anos, acabou de olhar outra vez, deve estar farta da rotina com o marido, todos os anos vir para o mesmo sitio passar férias, olha para mim sozinho de mota, deve estar com pensamentos de liberdade e aventura, pensamentos de uma mudança.
Depois de lavar a loiça coloco os phones e ponho-me a ouvir reggae e a contemplar o pôr-do-sol a deitar-se sob a lagoa, e a ler um livro que elegi para estas férias “yoga para Nervosos”, o que me faz pensar seriamente entrar para a yoga, e que não se deve dar resistência e luta a “coisa”, nome que se dá aos sofrimentos e desconfortos psicossomáticos que envolvem corpo e mente. Farto-me de ouvir o apresentador de um circo que esta mesmo colado ao campismo “ Meninos e meninas vai dar entrada o trapezista Nandu” ou “A Foca amestrada Danni com os arcos”.
Decido ir ao centro antes que mude de profissão e vá para apresentador de circo, vou a pé e ao sair do campismo, mesmo em frente tem uma entrada para a praia, o som das ondas a roçar nas pedrinhas hipnotiza-me, resolvo ir até a beira da água, chama-me atenção ao longe na escuridão da noite, no areal formas brancas a correr para um lado e pretas para o outro, aproximo-me mais e deparo com duas equipas a jogar o que julgo ser futebol sem bola mas com mais regras, ao som de um apito. Se já cheguei até aqui vou andar o resto (da meia lua que forma a praia) á beira da água até ao centro. Perto da marginal reparo numas ruelas em calçada portuguesa que me leva até a zonas dos bares, mas que acabam logo a seguir, resolvo investigar o resto das ruelas ao que me apercebo que dois indivíduos vêm atrás de mim, viro em varias ruelas para os despistar até conseguir encontrar novamente a marginal, entro na primeira esplanada que encontro, com uma mesa vaga, passam por mim a olhar com um ar de mafiosos, tenciono ficar o máximo possível na esplanada ate eles se cansarem, começo a escrever o diário. Olho para o relógio, o que faz me admirar é como tempo voou, já são 01h47,o corpo começa a dar sinais de cansaço devido a viagem em cima daquele banco que me faz sofrer das costas.

2 comentários:

  1. muito bom hugo ;)
    tou mortinha pa ver o dia 2 :P
    *****

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  2. Es sem duvida o maior aventureiro que conheço...
    Esta deve ter sido sem duvida alguma a maior aventura da tua vida...
    Ao ler o teu relato, não consigo parar, com ânsia de saber o que irá acontecer a seguir...
    Com esta aventura demonstras que podemos ir mais além daquilo que julgamos ser as nossas limitações...

    .)

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